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Memórias literárias: Monteiro lobato e a formação do leitor literário

Memórias literárias: Monteiro lobato e a formação do leitor literário

Heloísa Ramos compartilha suas memórias e indagações literárias acerca da obra de um dos maiores escritores brasileiros: Monteiro Lobato.


IMPRESSÕES
Num Natal dos anos 50, meus irmãos e eu ganhamos a coleção infantil de Monteiro Lobato. Eram dezessete volumes encadernados em couro verde, publicados pela Brasiliense, em 1950. As letras da capa eram prateadas. Na capa, apenas o título dentro de um quadro, com a Emília em pé, à esquerda, fora do quadro. Detalhe: a coleção não era nova. Não tinha sido comprada em livraria, mas de um primo, sobrinho do meu pai. Pelo meu raciocínio de criança, concluí que aquele devia ser um presente muito valioso. Explico. Naquela época, ganhávamos presentes apenas no aniversário e no Natal e os presentes eram sempre novos. Se estávamos ganhando um presente de segunda mão naquela data tão especial, o fato revelava que o presente devia ser especial também e diferente do que nos tinham presenteado até então. Foi com esta impressão que fiquei olhando aqueles livros. Logo apanhei um para ler. O primeiro volume foi “Histórias de Tia Nastácia”. De novo, uma surpresa: estavam ali as histórias que minha avó contava. Encontrei até a de que eu mais gostava – “A Moura Torta”. Minha felicidade foi enorme. Agora eu poderia ler sozinha a minha história favorita, quantas vezes quisesse. Por mais que gostasse de escutar minha avó contando, confesso que senti um gosto de liberdade e saboreei o prazer da autonomia.
Hoje, depois de ter sido convidada para elaborar uma sequência de trabalho com algumas obras desse querido autor, fui tomada por muitas aflições: por que Monteiro Lobato deixou de ser lido, se ele é reconhecidamente um dos nossos maiores escritores? Sua literatura para o público infantil e adulto foi muito lida e apreciada por décadas. Por que, então, não faz parte das listas de leitura obrigatória em vestibulares, por exemplo?
Está certo que para a criança de hoje é necessário um mediador da leitura da sua obra. Mas por que seus livros não tiveram adaptações como aconteceu com os clássicos que continuam sendo publicados, lidos e relidos, perpetuando-se, assim, historicamente? Foi o que aconteceu com Robinson Crusoé, Alice no País das Maravilhas, Dom Quixote, As viagens de Gulliver, e tantos outros. O próprio Lobato ajudou a perpetuar alguns, graças às suas traduções e adaptações. Uma das estratégias para aproximar leitores da literatura clássica são as adaptações. Às vezes só o enredo permanece, mas mesmo assim é uma forma de aproximação do leitor iniciante da obra. Além das impressas, existem as adaptações para cinema, teatro e TV como atalhos de acesso ao original. É bem provável que, agradando, acabem por despertar a vontade de se chegar à obra original. Mas como fazer isso com Lobato se suas obras impressas  não foram mexidas por muito tempo, distanciando cada vez mais potenciais leitores de suas histórias?
O que aconteceu com a atualização das obras de Lobato?
Por anos, as obras careceram de reformulação, de um layout mais moderno, adequado a um mercado editorial que se renova sem parar. A coleção dos livros de Monteiro Lobato foi editada pela Brasiliense pela última vez na década de 1970. Essa edição ficou esgotada por muito tempo. Era também difícil encontrar nas livrarias a obra adulta do autor. Por volta de 2005, os direitos autorais de Monteiro Lobato passaram para a editora Globo. De lá para cá, as obras infantis e para adultos de Lobato vêm sendo reeditadas em edições mais atraentes, algumas em HQ, e em adaptações para crianças menores. São indícios de retomada do tempo perdido, mas ainda assim vai ser necessário que se percorra um longo caminho para se chegar à formação de novos leitores das histórias do criador do sítio do Picapau Amarelo.
Por que, afinal, ler Monteiro Lobato?
Por ser reconhecidamente um dos nossos maiores escritores, em que se destaca a qualidade literária, do ponto de vista da originalidade, da criatividade e dos recursos linguísticos e literários inovadores. Os mais expressivos autores brasileiros contemporâneos de literatura infantil são unânimes na declaração da importância que a leitura de Lobato teve em suas vidas e da influência que exerceu em suas obras: Sylvia Orthof, Ana Maria Machado, Ruth Rocha e Pedro Bandeira, por exemplo. Por tudo, enfim, que ele significa: “fundador de nosso imaginário” nas palavras de Marisa Lajolo, “primeiro reformador da prosa brasileira”, para Oswald de Andrade, “dos valores mais indiscutidos da nossa literatura moderna”, para Antonio Candido.
Em 2008, a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil revelou que, depois da Bíblia, a obra mais importante para os leitores brasileiros é a de Lobato. Não há criança brasileira que não conheça o Sítio do Picapau Amarelo e seus famosos personagens, tão difundidos pela televisão. Isso, no entanto, não significa que os pequenos leiam suas histórias. Ainda que para a criança de hoje seja necessário um mediador da leitura da obra, é urgente recuperar a dimensão literária do genial Monteiro Lobato. O encantamento que suas histórias provocam é inesgotável. Não tem idade para começar a ler Lobato, e não parar mais. Em nome da responsabilidade de formar o leitor para a literatura, a sociedade não pode deixar de promover a obra do maior representante da literatura infantil do nosso país.
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