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Ler serve pra quê? – II

Ler serve pra quê? – II

Para entender o Brasil, especialmente nos dias de hoje, nada melhor do que a leitura de ‘O Alienista’. Em qualquer idade!


Um ensaio sobre a utilidade da leitura em três partes

Dizia eu, na primeira parte deste ensaio, que em 23 de janeiro de 2020 o youtuber Felipe Neto era taxativo no Twitter, para mais de dez milhões de seguidores e milhares de comentários e curtidas: “Forçar adolescentes a lerem romantismo e realismo brasileiro é um desserviço das escolas para a literatura. Álvares de Azevedo e Machado de Assis NÃO SÃO PARA ADOLESCENTES! E forçar isso gera jovens que acham literatura um saco”.

Eu disse também que o episódio repercutiu na chamada Imprensa profissional: dali cinco dias, em 28 de janeiro, o ex-secretário municipal de Educação de São Paulo e colunista da Folha Alexandre Schneider perguntava se Neto tinha razão.

O autor achava que sim, que o youtuber apenas “atirou no que viu – forçados a ler os clássicos sem método e mediação adequada, os estudantes podem sim pegar aversão por eles e pela leitura – e acertou no que não viu – a escola precisa mudar sua abordagem sobre os clássicos brasileiros, tão necessários à compreensão de nossa história e identidade”.

E ainda recomendou: “para entender o Brasil, especialmente nos dias de hoje, nada melhor do que a leitura de ‘O Alienista’. Em qualquer idade!” (não posso deixar de concordar com a recomendação, aliás; Machado sempre, Machado como nunca…).

No dia seguinte, foi Claudia Costin, aquela mesma colunista que cito no primeiro terço dessa reflexão, na mesma Folha, quem comemorou a polêmica proposta por Felipe Neto e corroborou o que Schneider dissera: “a literatura nos ajuda a entender não só fatos pretéritos, mas as análises que, a cada época, eram feitas – tanto em obras ficcionais como de não ficção – sobre a organização da sociedade. Machado, nesse sentido, é fundamental e merece uma introdução à altura, instigante e engajadora, feita por bons professores, que orientem os alunos na leitura de suas obras e os ajudem a nelas navegar com profundidade e prazer estético”.

Com quem falam? Com quantos falam? Costin lembra ainda a recente pesquisa Retratos da Leitura: “Num contexto em que adultos letrados leem muito pouco e não são vistos lendo livros por seus filhos, é compreensível que os jovens não percam tempo lendo outra coisa que não o que a escola lhes exige. Finda a escolaridade obrigatória, a leitura literária será abandonada por muitos.

É o que mostra a última edição da pesquisa Retratos da Leitura, que nos coloca claramente como um país de não leitores. A média de livros lidos entre os entrevistados por ano é de 4,95, menos do que em 2015, e só 2,55 deles lidos por inteiro. Assim, cabe sim à escola fomentar a leitura por prazer, oferecendo livros que atraiam o interesse das novas gerações”.

Um dia depois foi a vez de Hélio Schwartsman – polemista do nobilíssimo espaço da pág. 2 da Folhadar opinião favorável à cobrança publicada no Twitter, fazendo eco às falas da professora e do ex-secretário:

“Há pessoas que gostam de ler e há as que não gostam. O que define isso é uma complexa combinação de genes e estímulos ambientais nos primeiros anos de vida. Se a meta é formar um público leitor, isso precisa ser trabalhado bem antes do ensino médio ou mesmo do fundamental II. […] Reparem que não nos perguntamos se a trigonometria é mais ou menos ‘divertida’ que a análise combinatória nem se as agruras de uma cotangente tiram o gosto da garotada pela matemática”.

Por fim – sem Felipe Neto como tema, mas sim o hábito de ler – a coluna de 4 de fevereiro do psiquiatra Daniel de Barros no Estadão foca o suposto crescimento dos índices de leitura durante a pandemia em 2020: Ele enxerga a leitura como importante “válvula de escape” para o cansaço da realidade imediata, pois teria o dom de nos transportar para outras vidas e ampliar nossa visão de mundo.

A pesquisa em que se apoia foi divulgada no mesmo dia, na Folha: 35% dos paulistas e 38% dos fluminenses dizem ter lido mais por causa da covid-19. Cabe o alerta antes do alento: pense nesse número como uma pequena porcentagem da pequena porcentagem dos que já liam antes.

Durante toda essa discussão, a vida acontecia, e sempre envolvendo a leitura: a surpreendente aposta no perdão por intermédio da leitura de um bilhete, por exemplo.

Em 4 de janeiro, o jornal Agora noticiava: Ladrão furta escola em SP e deixa bilhete com pedido de desculpas. Ele teria roubado computador, TVs e até panela de pressão; no bilhete, implorava por misericórdia e explicava que não tivera escolha. Seria lido? Seria perdoado pela sinceridade?

O muralista Kobra, renomado grafiteiro, entregava um painel de 22 m de altura por 11 de largura depois de 350 latas de spray e 150 sugestões de obras que deveriam estar na “estante” que pintara num colégio em Sorocaba, SP, segundo reportagem do Estadão, do dia 30 de janeiro.

Um dia antes, a Folhinha, suplemento infantil da Folha, anunciava uma indexação dos textos publicados ali, separando os que precisavam de mediação dos que poderiam ser saboreados sozinhos pela molecada (taí: queria muito saber de quantos leitorezinhos estamos falando…).

O que salta aos olhos neste cenário? Que argumentos se robustecem, ganham musculatura a favor do aprendizado da leitura e da instituição do hábito de ler? Tento responder na próxima e última parte deste ensaio; até lá!