Nos últimos anos, têm sido frequente que pais e educadores venham às redes sociais expor sua visão sobre determinadas obras, chamando atenção para aspectos que – segundo a visão de alguns – causariam sérios danos à formação moral e emocional das crianças.
O caso relacionado ao livro de Ana Maria Machado – “O menino que espiava para dentro”, é só mais um, dentre tantos outros exemplos, que revelam não só o total desconhecimento do caráter simbólico e artístico dos textos literários, como o poder das redes sociais em espalhar o medo e em proferir sentenças.
O que as crianças podem aprender com a leitura de textos literários?
Primeiro, é sempre importante lembrar que os textos literários – sozinhos – não ensinam nada. No máximo ampliam o conhecimento sobre a linguagem e o repertório de histórias.
Ninguém se torna um ser humano melhor porque leu ou deixou de ler determinados livros durante a vida.
Se assim fosse, bastaria obrigarmos criminosos e alguns políticos, por exemplo, a fazerem a leitura do famoso “Livro das virtudes” e todos trariam à tona seus melhores comportamentos, colocando o foco em sua evolução pessoal e no bem da humanidade.
Boas experiências e práticas de leitura, sim, mudam comportamentos.
É pelo exemplo, pela troca, pelo diálogo interessado, pela escuta do outro e de si mesmo que podemos aprender a ser melhores, que podemos desenvolver a empatia, o respeito à coletividade e um maior conhecimento sobre nós mesmos e sobre o diferente.
E os bons livros são ótimos instrumentos para isso. Nunca sozinhos. Porque a leitura de um livro nunca é uma conversa solitária. Ela é, no mínimo, um diálogo com o autor.
Chama a atenção, em todos os casos em que os livros são apresentados como um perigo, o grande poder atribuído às palavras de outros, em detrimento do total desamparo de muitos adultos frente às grandes questões da humanidade, que são o principal substrato da literatura de qualidade – infantil ou não.
Se há tanto poder fora, talvez seja porque falte maior força do lado de dentro. E como criar um mundo interior suficientemente amplo e forte senão por meio do contato com a Arte, com o sublime, com o transcendente?
Creio que o desconforto e a insegurança provocados pelo contato com algumas obras de arte sejam fruto, em grande parte, da dificuldade de nossa sociedade em lidar com o amor, a alegria, a solidão, o medo, a violência, o desamparo, as dúvidas, as angústias e tantos outros sentimentos comuns a quem está vivo.
Se muitos adultos encontram-se desamparados emocionalmente, sem recursos internos para lidar com essas questões, o que dirá para abordá-las com seus filhos e alunos?
Sabemos que nossa história de leitura no Brasil é recente, e que muitos que hoje desejam que seus filhos se tornem leitores tiveram pouco ou nenhum contato com obras de qualidade.
Sabemos também que são raros os casos de pessoas que tenham acesso a livros e a uma ampla vivência artística e cultural. E isso independe do poder aquisitivo ou da classe social.
Por isso, a história de leitura das crianças traz em si a grande possibilidade de oferecer também aos adultos a oportunidade de reconstruírem sua própria história como leitores, exercendo seu direito à Arte, à Literatura e à fantasia.
Por meio de bons livros, infantis ou não, adultos também podem se tornar melhores leitores das páginas, de si mesmos, dos outros e do mundo.
Crianças com livros: melhores leitores de si, dos outros e do mundo
A Taba acredita que boas experiências de leitura aproximam adultos e crianças, estabelecendo pontes entre diferentes mundos. Diante de um bom livro – assim como diante da vida – somos todos marinheiros de primeira viagem.
Boas experiências de leitura abrem espaço para o espanto, para o encantamento, para a diversidade de emoções e descobertas. Talvez por isso – como dizia Ferreira Gullar – a Arte seja tão necessária: porque só a vida não basta.
Mas só a leitura também não é suficiente. É importante lembrar que a mediação e o diálogo continuam sendo os melhores caminhos para estabelecer uma conversa com as obras que chegam até às nossas mãos.
É no exercício da escuta sincera e atenta às muitas leituras possíveis de um texto ou de uma imagem que podemos aprender a reconhecer que em um bom livro – assim como na vida – todo ponto de vista é sempre a vista de um ponto.
Há muitas outras maneiras de entender e acessar o mundo, e a nossa nunca será a única.
Crianças e adolescentes, cujos pais lhes dedicam tempo, presença, estando atentos e abertos para escutá-los, nunca estarão sozinhos diante de um livro, de uma música, de uma cena de novela, de um filme ou de qualquer conteúdo cultural que lhes deixem desconfortáveis.
Sempre saberão que podem conversar com alguém sobre as dúvidas e medos que surgirem a partir do contato com essas obras. Porque serão acolhidos. Porque sabem que serão amparados.
Onde há espaço para sermos quem somos, para aceitarmos as diferenças, para nos apoiarmos e aprendermos mutuamente, não há lugar para a solidão, o ódio, a violência e a indiferença.
Por isso a presença dos adultos, mediando as conversas e o acesso das crianças às experiências de leitura é tão fundamental.
Eles podem e devem ser os principais interlocutores nesse diálogo dos pequenos com o mundo das artes, não como seres passivos diante das palavras de outros, nem mesmo como os únicos detentores das respostas corretas.
Mas, sim, como aqueles que também se abrem às inúmeras perguntas e inquietações provocadas pelo contato com a boa literatura, que estão disponíveis a caminhar junto com suas crianças, fazendo pequenas travessias diante das maravilhas do desconhecido.
Só assim, quem sabe, poderemos viver em um mundo onde haja menos muros e muito mais pontes.