Dicas de Livros | Blog A Taba
Histórias infantis para ler para crianças

Histórias infantis para ler para crianças

Histórias infantis não são apenas para crianças, mas para todos aqueles que querem e estão dispostos a conversar. Saiba mais!


Há algo especial quando lemos histórias infantis para alguém, uma conexão difícil de explicar pelo muito que envolve. O leitor emprega seu conhecimento para dar sentido ao que lê e, ao fazê-lo, é tocado pela mensagem que o autor lançou. 

Entre autor e leitor há uma troca de sensibilidades e, juntos, constroem um tempo e lugar pleno de referências, metáforas, possibilidades. Mas essa conexão não para aí, pois o leitor também pode emprestar sua voz para que outro escute. 

O leitor desenvolve uma performance que soma almas: a do autor, a do ouvinte e a sua. Intensidade que se apresenta mesmo quando o ouvinte é um desconhecido, mas que se multiplica quando há proximidade e afeto. 

É um corpo comprometido com o outro, seja o autor que trouxe a mensagem como daquele que a escuta, portanto, é uma entrega, um deslocamento de si que, por incrível que pareça, faz com que sejamos inteiros.

Ler para crianças, sabendo que é por meio de nós – mediadores de leitura, incluindo pais e educadores – que elas acessarem novos mundos e sentidos, incorpora responsabilidades ao adulto. 

Atenção à seleção da história, ao modo de contá-la e indo além, pois há a mediação daquilo que reverberou no tempo. Há um cuidado, um carinho.

Histórias infantis para momentos pais e filhos

Ao vermos uma imagem de pais lendo para seus filhos, somos tocados por uma mistura de sensações. Podemos lembrar de quando vivemos isso na infância ou sentir a falta do que não nos aconteceu, pois somos sensibilizados pela potência de acolhimento e presença que a imagem carrega. 

Podemos também sonhar sobre o momento no qual faremos isso com nossos filhos, sobrinhos, afilhados, alunos, projetando o gosto pelos livros, pela leitura e o bem querer daqueles para quem leremos.

A voz pode ser forte – expressando as conquistas do herói -, quase um sussurro – quando fala de fadas e sonhos – e pode até não se contaminar pelas desventuras do enredo, mas é a voz que o ouvinte conhece e que o faz se aproximar ainda mais daquele adulto que o acompanha. 

Sem dúvida, é momento de envolvimento com a narrativa, com a história que se conta, mas é também e fortemente instante de envolvimento com aquele que faz a mediação: a emoção que o atinge diz sobre quem ele é, o que pensa, como se comporta.

Quando lemos histórias em voz alta, o som ecoa, alcançando camadas de espaço e tempo, misturando nossas experiências. Som que se propaga no ritmo da pontuação, na surpresa da virada de página, no pulsar de dois corações que percorrem juntos uma travessia, registrada no livro. A voz embarga ou gargalha, acomodando-se ao texto e acomodando quem escuta. A voz é presença.

Por vezes, a voz de quem conta é interrompida pela voz do ouvinte – ‘volta uma página’, ‘foi o dragão quem disse?’, ‘lê de novo?’ – e o dono da voz tem a oportunidade de acessar aquele para quem lê. 

Um momento de suspensão: tomada de consciência sobre aquele que escuta, seus medos, gostos, vontades. Uma pista que orienta a próxima escolha, a próxima leitura, mas, sobretudo, uma pista sobre as falas e sentidos que emergem no cotidiano e que, longe dos livros, exibem as pessoas que são e que se formam.

Ler histórias infantis para crianças é inseri-las no repertório do imaginário social, fornecer-lhes instrumentos de compreensão de mundo, alimentar inspirações e a criatividade, orientar valores, mobilizar o foco e a atenção, além de inúmeras outras ações que favorecem um desenvolvimento mais completo para o ser humano, mas que além das funções práticas é um ato de amor, algo tão ou mais necessário.

História infantil para ler sozinho

Alberto Manguel, um expoente da reflexão sobre o livro e a leitura, conta no início da obra “UMA HISTÓRIA DA LEITURA” sobre como descobriu, aos quatro anos, que podia ler sozinho. 

Recorda um livro infantil a que os familiares e babá liam com frequência e o modo como ele, aos poucos, foi consolidando significados entre as letras e as imagens que lhe haviam mostrado até o momento mágico em que se fez o ‘click’ e a leitura ocorreu.

“Então, um dia, da janela de um carro (o destino daquela viagem está agora esquecido), vi um cartaz na beira da estrada. A visão não pode ter durado muito; talvez o carro tenha parado por um instante; talvez tenha apenas diminuído a marcha, o suficiente para que eu lesse, grandes, gigantescas, certas formas semelhantes às do meu livro, mas formas que eu nunca vira antes. E, contudo, de repente eu sabia o que eram elas; escutei-as em minha cabeça, elas se metamorfosearam, passando de linhas pretas e espaços brancos a uma realidade sólida, sonora, significante. Eu tinha feito aquilo tudo sozinho. Ninguém realizava a mágica para mim. Eu e as formas estávamos sozinhos juntos, revelando-nos em um diálogo silenciosamente respeitoso. Como conseguia transformar meras linhas em realidade viva, eu era todo-poderoso. Eu podia ler.”

Emocionante, não? 

A leitura em voz alta que você realiza para crianças é mágica: ela é a voz – expressão íntima – que traz seu conhecimento das palavras e seus sentimentos sobre o que lê, exibindo-se para o outro; som familiar, ritmado, que diz para a criança que ela não está só. Som que traz o reconhecimento dela sobre você, quem a acompanha e cuida, que lhe oferece referências e, apenas por estar ali, sedimenta segurança. 

Essa troca sonora e gestual constrói vínculos afetivos entre vocês e nutre o mundo simbólico dos que estão envolvidos, não importa se é um familiar à beira da cama, antes de dormir, ou a professora na sala de aula, lendo para muitos alunos.

Mas sem minimizar a força dessa troca que se estabelece em voz alta, na leitura entre um adulto e uma criança, a conquista da capacidade de ler emana uma força que, paradoxalmente, é difícil expressar em palavras. 

Ter consciência da articulação que realizou – da sua ação desvendando o que antes era enigmático –, identificando simultaneamente o acesso a mundos antes fechados e a conquista de uma habilidade que pode ser repetida é algo muito poderoso.

Caminhando junto com a criança, oferecendo-lhe estímulos para seguir adiante e amparo, quando não conseguir, você promoverá o desenvolvimento leitor e um sentido de confiança extremamente importante para inúmeras outras experiências e descobertas. 

Quando ela se apropriar desse novo poder, não se afaste. Esteja perto para manter o ânimo quando ele falhar, às ler cansa e nem sempre é tarefa simples, para trocar ideias sobre o que foi lido, para mostrar outros livros e escutar os interesses do novo leitor que se forma. 

São passos fundamentais para que ele persista diante da dificuldade, para que ele amplie horizontes e não se acomode e para que ele reconheça a si mesmo, localizando suas preferências e fazendo escolhas.

Visitem juntos espaços leitores, converse sobre livros (os da criança e os seus), estimule que esse aprendizado do ler por si mesmo seja fonte para novas conquistas emocionais e intelectuais. E não se esqueça: não lemos apenas letras. 

A vitória compreensiva requer atenção na observação e interpretação de imagens. Não se aflija se a criança optar por um livro sem palavras depois que aprender a ler, não diminua o valor das imagens em nosso processo de leitura e interpretação de mundo, afinal, o que é uma letra senão uma imagem?

História infantil para ler com adultos

Caso você pesquise, verá que existe um batalhão de adultos completamente apaixonado pela literatura de infância – assim como todos aqui na A Taba – e não estamos falando apenas dos pesquisadores da área.

Vemos pais e avós se encantarem quando procuram ou leem livros para seus filhos e netos, vemos psicólogos encontrarem nessa literatura o abrigo para seus pacientes e, assim como médicos, capazes de ‘receitarem’ literatura, vemos jornalistas que leem em voz alta nas redes sociais e se emocionam às lágrimas, vemos amigos adultos presentearem-se com literatura para infância.

Mas de onde vem todo esse encantamento? Temos algumas suspeitas. A primeira de todas é uma premissa que fez até a expressão literatura infantil ser trocada para literatura para a infância ou literatura de infância: o reconhecimento de que podemos deixar de ser crianças, mas a nossa infância continua existindo dentro de nós, independentemente da idade que tenhamos. 

Falamos da infância que aqueles que a viveram com você reconhecem – como as memórias da primeira bicicleta, do colo da madrinha ou da comida da avó –, mas, também do mundo de ideias e sentimentos que eram só seus, tais como os desejos de uma viagem, o ciúme de um irmão, a vontade de voar. 

O que os outros viram e o que eles sequer puderam imaginar residem ainda dentro de cada adulto. E não há como não se emocionar com os livros que tocam justamente nesse universo que carregamos dentro da gente, seja porque voltamos aos livros da nossa infância – e que continuam alimentando as novas gerações -, seja porque livros novos chegam naquele íntimo sem nos darmos conta.

Não só. Os chamados livros infantis se proliferaram e mudaram, apresentando hoje temas, estratégias, materialidades que nossas infâncias não conheceram, maravilhando por seus tamanhos, imagens, texturas, provocações, ganhando nossa curiosidade e nosso prazer. 

Nessas mudanças, devemos dizer que se a tecnologia as alimentou com recursos antes impossíveis, os autores também se modificaram. Reconhecendo (ou vivendo) a infância como um lugar a que se acede em vez de um tempo que passa, os autores criaram obras capazes de dizer de muitas formas, fazendo com que um mesmo livro tenha camadas de acesso, podendo atingir em cheio os bem pequenos assim como os adultos, no atendimento de diferentes expectativas e competências literárias.

A título de exemplo, conhecemos uma historiadora que enlouqueceu – no sentido positivo, vejam bem! – quando conheceu a obra Ter um patinho é útil, de Isol, já enviada no Clube de Leitores A Taba

Num livro cartonado e sanfonado, com pouco texto, que enviamos aos assinantes da categoria Bebês, ela leu na materialidade da obra a oportunidade de fazer ver para seus alunos adolescentes que a experiência histórica é plural e que um mesmo evento pode ser vivido pelos que estão presentes de um modo diverso. 

Outro exemplo é o Flores Selvagens,  de Liniers, enviado aos assinantes da categoria Autônomos do Clube de Leitores A Taba. A obra – uma história em quadrinhos que retrata a brincadeira de três irmãs –, que pode ser diversão e empatia para os pequenos, mas que permite que olhos maduros ultrapassem a literalidade das frases trocadas entre elas e faça ver os jogos de poder e ironia que perpassam a infância.

Para finalizar os afetos causados pelos livros infantis nos adultos – neste texto apenas, porque desconfio que os afetos nunca terminam—, relembro a potência do Histórias da Preta, de Heloísa Pires Lima, que em uma roda de leitura para educadores emocionou uma educadora pelas situações de racismo que, retratadas no livro, refletem a vida real.

Não se acanhe. Na próxima visita à livraria ou biblioteca, aproxime-se do setor infantil e experimente. Temos certeza de que você vai gostar.