Dicas de Livros | Blog A Taba
As teias leitoras: crianças e professores

As teias leitoras: crianças e professores

Formar alunos desejosos pela leitura, que leiam cada vez mais, melhor e de forma autônoma é a vontade de todo professor. Mas, como fazer?


O que acontece com a literatura ao entrar na escola? Muitas vezes a literatura quando chega à escola assume uma nova forma e passa por transformações que desconfiguram sua natureza.  Essa talvez seja a principal razão pela qual formar alunos leitores seja tamanho desafio.

É fundamental que educadoras e educadores assumam responsabilidade na formação do leitor literário. Assim, sua formação contínua se faz necessária tanto para ampliação e aprimoramento de seu próprio conhecimento quanto para responder aos anseios de seus alunos. Formar alunos desejosos pela leitura, que leiam cada vez mais e melhor, e em situações de autonomia é a vontade de todo professor.

E para formar leitores é preciso ser leitor. É necessário que nós professores tenhamos um relicário de memórias afetivas e intelectuais que nos possibilite reconstruir nosso percurso de encontro com a leitura, nossas experiências, para assim construirmos pontes entre livros e leitores, afinal, como encantar o outro sem estar encantado?

Como se formam as teias leitoras?

Quando não há onde buscar, quando olhamos para trás e não encontramos essa memória leitora, nos vemos diante de dois desafios: ser ponte entre livros e leitores, e construir nossa teia leitora ao mesmo tempo em que os novos leitores o fazem.

Então, pergunto: como o professor pode garantir um encontro com a literatura que seja linha para o que seus alunos vêm tecendo? A construção de um percurso leitor para o professor não deve se dar na solidão, uma vez que a teia leitora, quando tecida a muitas mãos, se fortalece.

Buscar parceiros de conversas, amigos literários, pessoas com quem trocar indicações e relatos de experiência sobre a leitura de um livro em comum – ou incomum – é um bom começo.

Quando interagimos acerca do livro, que é texto, imagem e corpo, ampliamos nossas possibilidades de experiência com a literatura e nos surpreendemos com comentários sobre coisas que não havíamos pensado nem observado, revisitamos outras. Conhecemos novas obras e construímos laços leitores.

Encontre seus amigos literários

Um amigo literário pode ser qualquer pessoa que partilhe esse desejo de troca, que possa contribuir e que seja envolvida com a leitura. Esse espaço de encontro, de escuta do outro e de si mesmo, é uma das linhas que vêm tecer nossa voz leitora, costurando caminhos para nos conhecermos como leitores.

Outro caminho é participar de rodas de leitura e análise de obras mediadas por especialistas e profissionais envolvidos com a literatura. Quando estamos em um encontro social de leitura literária, estamos diante de duas experiências:

A primeira é a de estar no papel de leitor, que, em um movimento dialógico com todos os presentes, troca impressões de modo a ampliar formas de ler e construir sentidos, se beneficiando da competência leitora do outro;

A segunda é que, enquanto leitores, continuamos sendo também educadores, e, por isso, podemos observar como os comportamentos do leitor são acionados, e assim, nosso papel na formação de leitores ganha um novo sentido.

Sendo assim, neste espaço também desenvolvemos parâmetros de comparação que são fundantes para a construção da formação de critérios de seleção de obras que ofereçam qualidade estética e intelectual, configurando-se em uma linguagem mais elaborada e complexa.

Participar de encontros com autores, ilustradores e editoras, é também uma forma de conhecer como se concebe do livro, pois esses são espaços de conversas sobre o processo de criação dos livros e de tudo o que envolve seu nascimento.

Em função disso, potencializam significativamente nosso olhar contribuindo para a construção de um pertencimento à comunidade leitora de maneira a expandir possibilidades de leitura, de exploração das obras para nós e, consequentemente, para os alunos. Também se amplia o repertório de autores, ilustradores, gêneros e de toda diversidade existente.

Como leitores e professores em contínua formação, buscamos nosso desenvolvimento pessoal, intelectual e profissional. Os espaços que oferecem cursos, momentos para que o diálogo aconteça entre os presentes, as reflexões sobre teoria e prática e as leituras de estudo autônomo sob a luz de teóricos e especialistas com significativa contribuição são, segundo Teresa Colomer, autora referência em literatura na escola, ponte entre prática e teoria, portanto, caminho para o desenvolvimento docente.

Ler na escola não é estudar!

Paulo Freire, grande educador brasileiro, nos diz que a teoria sem a prática é esvaziada de sentido e que a prática sem teoria é cega, desse modo, compreendemos que a escola como espaço de promoção de conhecimento, em que o professor, responsável por planejar situações que contemplem a formação do leitor literário, assume responsabilidade quando passa a questionar: o que ensino quando leio literatura com meus alunos? E o que eles aprendem e podem aprender com essas situações? Quais livros seleciono para os encontros de conversas literárias? Por que estes e não aqueles?

Outra coisa fundamental é saber que mediar a leitura literária na escola não é nem se parece com estudar. Mas também, ler literatura não é terminar o livro, silenciar, fechá-lo e partir para a próxima proposta do dia. Sua oferta somente não garante aos alunos possibilidades de viverem experiências que possam gerar uma relação íntima com a literatura. Além disso, não se trata de ler para aprender valores, pensar sobre comportamentos ou reforçar conteúdos escolares.

As razões pelas quais se lê literatura são muitas, algumas delas estão relacionadas às possibilidades de viver outras vidas e acessar a fantasia para construção de um mundo interno que nos permita simbolizar, criar e imaginar novas possibilidades e perspectivas de ver e estar no mundo externo.  Outra é o desenvolvimento de uma linguagem mais elaborada capaz de nos tirar do lugar de fragilidade diante de leituras mais desafiadoras e de outras pessoas, já que passamos a dominar o discurso.

Patrícia Diaz, Diretora de Desenvolvimento Educacional da CE CEDAC¹, reitera que o lugar da leitura na escola não deve ser de passatempo, do ler por um prazer descomprometido com o pensamento crítico,  mas sim de trânsito de sentidos em que os alunos possam imprimir suas marcas nos textos e expandir significados de maneira colaborativa, uma vez que os espaços de conversas literárias são potencializadores de nossa formação enquanto leitores.

Para além de sabermos da importância da leitura, precisamos ter convicção de que ler literatura é, também, um direito de participação cidadã, de acesso aos bens históricos, culturais e políticos que geram transformações nas possibilidades de ser, de estar e de atuar no mundo. Em Andar entre livros, Colomer, ao parafrasear o escritor Gianni Rodari, traz a reflexão de que não se ensina literatura para que todos os cidadãos sejam escritores, mas para que nenhum seja escravo.

A palavra, a leitura e a literatura ocupam um lugar de extrema importância em nossa sociedade e são instrumentos de empoderamento cognitivo, simbólico, emocional e social. A escola é espaço privilegiado, que exerce um papel de suma importância no desafio de romper com o desequilíbrio na estrutura social herdada historicamente em nosso país e “assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura” (CANDIDO, 2004, p.176).

  • Nota 1. CE CEDAC é a sigla para “Comunidade Educativa – Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária”, organização social de interesse público que concebe e implementa estratégias para promover a melhoria de práticas educativas das redes públicas no Brasil visando assegurar o direito de todas as crianças, adolescentes e jovens a aprenderem e se desenvolverem integralmente.