Pode soar um pouco estranho, mas, confesso: sou atraído pela melancolia. Hoje, que vivo minha infância de trinta e três anos, percebo que não há problema em abraçar sua melancolia, de diferir dos outros e viver a vida seguindo o som de uma melodia diferente.
Por anos, enquanto criança, não me sentia pertencente, sentia-me muito diferente dos outros. Ao longo de minha trajetória leitora tive o prazer de me deparar com títulos de gêneros e formatos diversos, era frequentador assíduo da Biblioteca Municipal.
Pude perceber, em contato com os personagens que caminhavam comigo em minha estrada solitária, que não devemos almejar uma homogeneidade, que está tudo bem em não se encaixar no padrão.
Agora compreendo que os livros ilustrados e suas narrativas podem contribuir para que as crianças consigam expressar suas inquietações emocionais, pois, foi por meio deles que consegui externar as minhas e me tornar um promotor de leitura.
Devo deixar claro que não acredito na didatização da literatura, mas sim em utilizá-la como uma ponte para introduzir com as crianças a reflexão sobre temas e assuntos que, ainda hoje, são considerados tabus. Aliás, deixo o questionamento: se a melancolia faz parte da vida, por que temos dificuldade em falar sobre ela?
Há livros em que se percebe claramente uma poesia que abraça o pouco usual, personagens que se sentem sozinhos, que são introspectivos e se permitem vivenciar seus sentimentos de uma maneira única, singular. Este é o caso de “Uma noite muito, muito estrelada” de Jimmy Liao e “Nuno e as coisas incríveis” de André Neves.
Os livros citados são belos exemplos de narrativas ilustradas onde texto e ilustrações parecem nos sugar num redemoinho de emoções. Obras que promovem um mergulho íntimo e profundo dentro de nós mesmos.
Em “Nuno e as coisas incríveis” conhecemos um garoto que equilibrava sua fantasia de maneira solta e que se admirava diante do majestoso tanto quanto ficava fascinado com o que parecia ser ínfimo.
Este livro me proporcionou um dos momentos mais emocionantes em toda minha trajetória como mediador de leitura; ao término da leitura propus que as crianças ilustrassem suas próprias coisas incríveis e um aluno, no auge de seu pequenino tamanho, conseguiu me desmontar por inteiro: em seu desenho fez uma representação minha, dentro da escola, com um exemplar de Nuno nas mãos e o coração na garganta, porque eu amava ler e falar.
Os livros ilustrados nos permitem libertar o que as palavras não conseguem expressar. Quando a criança não consegue se comunicar com o mundo, como a menina de “Uma noite muito, muito estrelada”, ela encontra em livros como este um refúgio, um local seguro em que ela descobre que vivenciar suas introspecções e silêncios pode ser uma experiência transformadora.
Precisamos compreender que as crianças também precisam dessas reflexões, afinal, elas se desenvolvem por meio do imaginário. Os livros ilustrados são essenciais para que os pequenos consigam compreender a realidade à sua volta e, em contrapartida, conseguir enfrentar os desafios que encontrarão no mundo.