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A potência da leitura coletiva entre educadores

A potência da leitura coletiva entre educadores

No questionamento e investigação, educadores seguem na construção de um saber compartilhado que favorece uma formação leitora de qualidade. 


Para fomentar uma educação antirracista nas escolas, é essencial que haja autoquestionamento e aprendizado compartilhado entre uma equipe diversa de educadores

 Às vezes, precisamos de uma resposta e, às vezes,
precisamos de mais perguntas.
E por aí vai…
Então, não existe resposta?
Na verdade, não existe receita.
Ou talvez pudesse haver uma:
para uma criança ler, só precisa saber ler.

Ler como? Ler o quê?
(Yolanda Reyes, 2011)

As análises e questionamentos sobre o que ler na escola não são de hoje, mas parece que ganham atualizações conforme aprofundamos nossas reflexões e vão desvendando-se novas camadas de desafios. Ainda que a pesquisadora colombiana Yolanda Reyes aponte alguns caminhos importantes para a seleção literária, como a consideração à autoria das obras, a atenção às traduções e o papel de um cuidado estético mais amplo, sabemos que esse processo será sempre um campo de constantes análises e discussões.

Assim, por onde começar? Certamente pela estrutura central da escola, que é seu currículo, que permite pensar em progressão e continuidade ao longo dos anos. Neste sentido, vale levar em consideração os importantes pontos elencados na coluna de Érica de Faria, sobre a relevância do currículo de leitura literária na escola, que nem sempre recebe o mesmo cuidado na seleção de conteúdos e materiais, como ocorre em áreas como a matemática e as ciências da natureza.

Para tornar nosso desafio um tanto mais complexo, é preciso ressaltar que, mesmo com o currículo estabelecido, a literatura segue tendo seus desafios específicos, pautados na necessidade de que cada professora construa suas camadas de sentidos e significados com as obras que serão lidas, para organizar e planejar a mediação leitora que ocorrerá com cada turma. Sendo assim, temos pensado intensamente no espaço ekoa sobre os espaços de diálogo e aprendizagem coletiva na mediação de obras literárias, e em especial nos significados, desafios e cuidados necessários para realizar uma seleção de obras que contribua com o projeto mais amplo e urgente de uma educação antirracista.

Atualmente, estamos vivenciando este desafio por meio de um intenso processo de leituras de obras entre uma equipe diversa, pensando em como unir nossas impressões e nossas trajetórias particulares em um saber comum, coletivo, que nos permita analisar e pensar as diferentes obras antirracistas e suas potencialidades ao longo da escolaridade. Sendo uma escola que começou pelo cuidado aos bebês, e que vive um momento de ampliação marcado pela abertura de novas turmas multietárias (atualmente chegando até o 4º ano do ensino fundamental), a questão de pensar o que é de cada faixa etária e o que podemos trazer de uma experiência com determinada idade para outra, está extremamente presente, e na análise literária não poderia ser diferente.

Diante da variedade de possibilidades dos títulos presentes no eixo de uma literatura antirracista, fizemos um levantamento de todas as obras que já tínhamos no acervo da escola, e estudamos diferentes materiais que apontavam para outros títulos que poderiam ser adquiridos (vale destacar o papel das sugestões do e-book da Taba sobre uma educação antirracista, especialmente quanto aos eixos que podem ser considerados para pensar na variedade de obras) e abrimos este olhar coletivo lendo em equipe uma das obras para discutir: por que esta é uma obra antirracista? Para quais turmas poderíamos ler este título? Que dúvidas surgiram pensando na mediação leitora?

O próximo passo foi convidar cada educador a selecionar um dos títulos do acervo para fazer sua própria leitura. A cada reunião pedagógica temos reservado um momento de leitura compartilhada, na qual um educador lê para todos. Depois disso, discutimos coletivamente os pontos fortes do livro, os que nos geram dúvidas, e analisamos as possibilidades de inserção da obra em determinadas turmas da escola. Parecem situações simples, mas vejo a importância e o valor de abrirmos espaços para que possamos ler coletivamente, trazendo nossas inquietações, pensando desde outros pontos de vista, sabendo o quanto um processo dialogado e coletivo certamente impactará na mediação de leitura com as crianças. Nesta proposta, o próximo passo é fazer a leitura com as turmas e ir registrando o desenvolvimento da proposta em um documento comum que possa nos ajudar a compreender as potencialidades e camadas de discussão que cada coletivo vai construindo em sua relação com os livros e com os princípios de uma educação antirracista.

Ler como? Ler o quê? As perguntas do início são as do final desta reflexão, mas manter-se em dúvida, em constantes perguntas, estudando, ouvindo pesquisadores e professoras, acessando e oferecendo espaço para vozes negras, talvez seja realmente o único caminho palpável para alcançar respostas consistentes que auxiliem, em primeiro lugar, o autoquestionamento e o aprendizado de uma equipe diversa em busca de fomentar uma educação antirracista. Será neste clima de questionamentos e investigação que continuaremos em busca da construção deste saber compartilhado que favoreça o cuidado com uma formação leitora de qualidade e de abertura constante de horizontes e perspectivas para as crianças.

 

Miruna Kayano Genoino é graduada em Pedagogia (FE – USP), especialista em Alfabetização (Centro de Estudos da Escola da Vila) e mestra em Escrita e Alfabetização (Universidad de La Plata, Argentina) e orientadora do espaço ekoa.