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Currículo literário na escola

Currículo literário na escola

Se História e Matemática tem um currículo consolidado na escola, por que a literatura não tem? O que isso implica pensar?


Compartilhar a leitura significa socializá-la, ou seja, estabelecer um caminho a partir da recepção individual até a recepção no sentido de uma comunidade de leitores que a interpreta e avalia. A escola é o contexto de relação onde se constrói essa ponte e se dá às crianças a oportunidade de atravessá-la.
Teresa Colomer[1]

Colomer (2007), uma das maiores referências para pensar o trabalho de literatura na escola, nos ajuda a disparar uma reflexão sobre a importância do currículo literário a partir de dois aspectos cruciais: a importância de criar instâncias de compartilhar as leituras e o papel da escola nessa empreitada da formação de leitores.

Algumas cenas, de dentro das escolas, têm me provocado a pensar nas condições necessárias para que o trabalho de leitura literária aconteça de modo a formar leitores. Uma delas se refere ao fato de que, embora mais presente na rotina da sala de aula, o trabalho com a leitura literária, na maioria das vezes, está longe de fazer parte de uma organização curricular.

Que leitor queremos formar?

E para isso, uma das primeiras questões a ser respondida é: que leitor queremos formar? Aquele que sabe decifrar as letras e fazer um bom uso da entonação e ritmo durante a leitura em voz alta?

Ou aquele que, além disso, busca suas leituras a partir de seus propósitos, que tenha desenvolvido preferências leitoras, que saiba compreender a polissemia dos textos, que observa a construção da linguagem e busque relação com sua autobiografia literária e seus modos de ver o mundo a fim de ampliá-los?

Para formar esse leitor competente, capaz de construir sentidos para o que lê, é necessário que a escola crie pontes, que desenvolva um programa que oriente as escolhas e as práticas de leitura de toda a escola.

Para garantir a equidade, ou seja, o direito de todos os estudantes de se incursionarem em uma experiência estética,  é preciso garantir qualidade nas interações e nas escolhas literárias, periodicidade nas situações de leitura e que isso aconteça em toda a unidade escolar e não apenas nas salas de aula de alguns professores, em geral, daqueles que mais gostam de ler literatura.

Ao tratar sobre o papel da escola, não tem como deixar de lembrar da célebre conversa entre Alice e o Gato, em Alice no País das Maravilhas.

Alice perguntou: Gato Cheshire…
pode me dizer qual o caminho que eu devo tomar?
Isso depende muito do lugar para onde você quer ir – disse o Gato.
Eu não sei para onde ir! – disse Alice.
Se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve.

O que considerar para o percurso leitor?

Para onde queremos ir? Que caminho seguir? O que precisamos considerar para o percurso leitor dos estudantes ao longo de um ano escolar e também ao longo da escolaridade? Com quais propósitos lemos? O que queremos que os estudantes aprendam? Como desenvolver situações que permitam uma interação de qualidade entre os estudantes e a literatura e com os demais leitores? Quais critérios definem as escolhas que fazemos?

Essas são algumas das questões que o corpo docente pode se debruçar para o desenvolvimento de um currículo literário.

Você já parou para pensar: se História e Matemática tem um currículo consolidado na escola, por que a literatura não tem? O que isso implica pensar? Talvez seja a concepção de leitura literária vigente: se trata de um passatempo, um momento da rotina para se descontrair?

Como discordamos disso e também não temos a pretensão de engessar as escolhas dos docentes, precisamos pensar no coletivo da escola em um itinerário leitor que possibilite, a todos os estudantes, conhecer obras que atendam a diversidade, a continuidade e a progressão, pilares de qualquer currículo.

Para as escolhas é preciso considerar diferentes gêneros e autores, mas também certos recursos literários como a construção da personagem, o tipo de narrador, as diferentes vozes narrativas, entre outros aspectos que envolvem diferentes estéticas (NICOLAJEVA, 2005).

Esse complexo mosaico deve ser pensado pela escola para que, a partir desta reflexão, os professores possam tomar decisões sobre quais livros e práticas de leitura serão desenvolvidas ao longo de cada ano da escolaridade.

Como organizar um currículo literário na escola

Em suma, alguns pontos merecem atenção para a organizar de um currículo literário:

– ter estabelecido critérios literários e linguísticos que orientem as escolhas dos professores para promover experiências estéticas distintas;

– definir, em conjunto com o corpo docente e a partir dos critérios eleitos, livros para leitura compartilhada, que garantam diversidade, continuidade e progressão;

– garantir espaço para que professores e estudantes façam suas próprias escolhas dentre uma ampla variedade de títulos de literatura;

– garantir práticas de leitura literária e sua periodicidade: leitura em voz alta pelo professor, rodas de apreciação e empréstimo, sessões simultâneas de leitura, clube de leitura, tempo para os estudantes realizarem leitura pessoais;

– ter claro o que se espera que os estudantes aprendam: comportamentos leitores, estratégias e habilidades de leitura, entre outros.

Como condição para isso acontecer é preciso ter um acervo de qualidade, que apresente variedade de autores, gêneros, coleções, editoras, projetos gráficos, culturas, e também espaços convidativos para ler, cantos de leitura nas salas de aulas, biblioteca ou sala de leitura, corredores literários, murais com recomendações, entre outros.

Quando apostamos na escola como uma comunidade de leitores e consideramos a dimensão socializadora da leitura literária podemos afirmar a importância de um currículo literário, aquele que instaura práticas de leitura desenvolvidas na escola, mas que se aproximam das práticas exercidas fora dela. É a partir deste contexto que nossos estudantes têm a oportunidade de compreender o que é ser leitor.


[1] COLOMER, T. Andar entre livros. A leitura literária na escola. São Paulo: Global, 2007. (p. 147)