Leitura e as chaves da superação
Entre 2019 e 2021, houve um aumento de 66,3% no número de crianças de 6 e 7 anos que não sabem ler e escrever. O que podemos fazer?
Com qual idade uma criança começa a decifrar as palavras, juntar as letrinhas para formar as sílabas e, como mágica, ler com autonomia? Há os pequenos e precoces “gênios”, mas em geral, por volta dos 5 anos uma palavra simples soletrada em voz alta, ou silenciosamente, para que a criança possa confirmar como a descoberta de um tesouro já é uma alegria imensa. Ler sozinho é um sinal de liberdade e independência que normalmente entre 7 e 8 anos a maioria das crianças conquistam. Não ler também deveria ser razão de preocupação, de receber um olhar de censura dos familiares e professores.
Porém, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) divulgada recentemente pela ONG Todos pela Educação[1], entre 2019 e 2021, houve um aumento de 66,3% no número de crianças de 6 e 7 anos de idade que, segundo seus responsáveis, não sabiam ler e escrever. O número passou de 1,4 milhão em 2019 para 2,4 milhões em 2021.
Talvez essas crianças não tenham nem sequer escutado nomes de autores que fizeram parte do nosso imaginário infantil, fazem parte do cotidiano dos nossos filhos, sobrinhos, alunos e pequenos leitores do nosso convívio: Tatiana Belinky, Eva Furnari, Ziraldo, Ruth Rocha, Maurício de Souza, Ilan Brenman e autores clássicos dos contos de fadas são completos desconhecidos. Mais desolador ainda é saber que a estatística só piora entre as crianças pretas, pardas e entre as famílias mais pobres.
Segundo a ONG, em 2019, 20,3% das crianças brancas não sabiam ler e escrever. O percentual subiu para 35,1%, em 2021. No mesmo período, entre as crianças pretas, a proporção cresceu de 28,8% para 47,4%. Entre as pardas, subiu de 28,2% para 44,5%. Dentre as crianças mais pobres, o percentual das que não sabiam ler e escrever aumentou de 33,6% para 51,0%, entre 2019 e 2021.
É certo que a atual pandemia aumentou (e ainda aprofunda) o abismo social e de aprendizados, para além da capacidade de fabulação que a literatura pode proporcionar desde a mais tenra idade, mas nesse cenário desolador, o desafio é pensar em como assegurar o acesso à leitura como um direito e não como um privilégio.
A história de vida de muitos autores, talvez a nossa própria história, possa ser uma fonte de esperança: Hans Christian Andersen, conhecido mundialmente por seus célebres contos de fadas, frequentou tardiamente a escola formal e, com persistência, além do acolhimento de um tutor, tornou-se o escritor de prestígio alcançando em vida o reconhecimento pelo seu trabalho. Conceição Evaristo, escritora de origem pobre e etnia negra, quando criança acompanhava a tia, servente na biblioteca pública de Belo Horizonte e hoje é referência nacional e aclamada por sua obra.
Que sendo apaixonados por literatura e sabedores de sua importância nas nossas vidas, possamos ser esse tutor, essa tia, o mediador de leituras, aventuras e descobertas. Pois, como lembra a pesquisadora francesa Michèle Petit (2009, p. 13)[2], “a leitura permite abrir um campo de possibilidades, inclusive onde parecia não existir nenhuma margem de manobra”. A autora também lembra que um conhecimento, um acervo de livros e memórias vira letra morta se ninguém lhes der vida.
Que tal darmos vida e escrevermos um novo capítulo na nossa história e de nossas crianças?
[1] Aumenta em 1 milhão o número de crianças de 6 e 7 anos que não sabem ler e escrever. Todos pela educação, 2022. https://todospelaeducacao.org.br/noticias/aumenta-em-1-milhao-o-numero-de-criancas-de-6-e-7-anos-que-nao-sabem-ler-e-escrever/. Acesso em: 15 fev. 2022.
[2] PETIT, Michèle. Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva. São Paulo: Editora 34, 2008. 192 p.