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Livros engraçados: por que apostar no humor da literatura para a infância

Livros engraçados: por que apostar no humor da literatura para a infância

Todos os tipos de histórias são importantes para a formação de jovens leitores, inclusive as de livros engraçados


Livros engraçados, que fazem rir e se divertir: sabemos que nem todas as histórias precisam ser assim, há espaço para falar sobre temas difíceis e profundos, mas o humor pode ser poderoso. São muitos os estudos como O humor na literatura infantil, de Leila Mury Bergmann e Renata Gonçalves Sassi, que investigam as habilidades desenvolvidas pelas crianças no contato com ele, como a criatividade, a autonomia, a cooperação e a socialização.

Mas, para além dessas “utilidades”, livros engraçados são, sobretudo, literatura. E a literatura humaniza sem precisar de motivos ou porquês. A qualidade cômica de uma boa história é parte inerente da sociedade. Faz parte de todos nós, assim como o amor ou a morte. E é uma experiência profundamente conectada ao lúdico, ao prazer e à irreverência, valores também presentes na infância.

Vale lembrar que a irreverência de que falamos é aquela que liberta. Nada tem a ver com representações ou frases desrespeitosas que possam ferir a existência do outro, como preconceitos ou estereótipos. Não: é uma risada que vem da leveza, e da fuga do lugar comum, ela que é capaz de desenvolver uma percepção estética e intelectual. É esse lugar que proporciona ao leitor uma indagação sobre si mesmo e sobre o mundo. É esse processo que pode desencadear em uma relação afetiva com os livros e com a leitura desde cedo.

Mas o que faz os livros engraçados serem engraçados?

Há muito tempo filósofos vêm tentando entender a natureza do cômico. Henri Bergson, em seu O riso, defende que o humor é algo inerente ao humano:

“Riremos de um animal, mas porque teremos surpreendido nele uma atitude de homem ou certa expressão humana. Riremos de um chapéu, mas no caso o cômico não será um pedaço de feltro ou palha, senão a forma que alguém lhe deu, o molde da fantasia humana que ele assumiu. Como é possível que fato tão importante, em sua simplicidade, não tenha merecido atenção mais acurada dos filósofos? Já se definiu o homem como ‘um animal que ri’. Poderia também ter sido definido como um animal que faz rir, pois se outro animal o conseguisse, ou algum objeto inanimado, seria por semelhança com o homem, pela característica impressa pelo homem ou pelo uso que o homem dele faz.”

Um segundo aspecto do cômico é o social. Para o filósofo, “o riso parece precisar de eco”, e tem sempre uma repercussão: “o nosso riso é sempre o riso de um grupo”, afirma. Se estamos sozinhos, por exemplo, e avistamos um grupo de amigos contando causos uns aos outros e rindo dessas histórias, não rimos porque não estamos inseridos naquele ambiente. 

Mas essas não são as únicas características possíveis. Gianni Rodari nos dá mais pistas, especialmente quando pensamos nos livros engraçados. Em sua Gramática da fantasia, enfatiza a questão do erro que, para ele, é uma grande potência de criação: “As primeiríssimas histórias serão mais gestuais do que verbais. O pai coloca os sapatos nas mãos. Depois na cabeça. Quer tomar sopa com o martelo…”, exemplifica.

E muitos desses “erros” seguem a produção literária infantil ao longo das últimas décadas. De Ruth Rocha a Sylvia Orthof, das novas roupagens dos Contos de Fadas, que Rodari chama de “reviravolta do tema fabulístico”, aos jogos de palavras e imagens e à desconexão que pode surpreender o leitor, o humor continua encantando leitores brasileiros e de todas as partes do mundo. 

E agora? Como contar essas histórias?

Além do preparo habitual para contar uma boa história, os livros engraçados convidam ainda mais o mediador para a improvisação e a criatividade. É possível, ainda, utilizar o tom da voz, a escolha do ambiente e outro recursos como adereços para favorecer a veia cômica da história. 

Rodari dá uma boa dica para essa situação, um jogo chamado “Errando histórias”: 

“– Era uma vez uma menina que se chamava Chapeuzinho Amarelo. – Não, Vermelho! – Ah, sim, Vermelho. Então o seu pai a chama e… — Não, não foi o seu pai, foi a sua mãe. — Certo. Ela a chama e diz: Vá à casa da tia Rosa levar-lhe… — Ela disse para ir à casa da vovó, não da tia!” 

Apenas é preciso estar preparado, porque as crianças são muitas vezes conservadoras em relação às histórias que querem ouvir e até antecipam alguns de seus acontecimentos. Elas podem ficar irritadas com essa quebra de expectativa. “O jogo desvilaniza o lobo, desincendeia o inferno, ridiculariza a bruxa, estabelece um vínculo mais puro entre o mundo de verdade – onde certas liberdades não são possíveis – e o mundo imaginário”, argumenta o escritor. Que tal tentar esse jogo em casa?

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