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Meu país, minha língua: herança da língua materna

Meu país, minha língua: herança da língua materna

A literatura infantil é fundamental para manter a herança da língua materna, dizem famílias brasileiras que vivem no exterior e recebem livros pela A Taba.


Caetano Veloso expressou a cultura do país na canção Língua, que coloca em destaque o que significa a linguagem para uma nação: “Minha pátria é minha língua”. É na linguagem de um povo que conhecemos seus saberes, suas tradições e o que os constitui. Nossa herança vem também da língua materna.

A riqueza de um povo se transmite de geração em geração pela palavra. Os contadores de história, os griots do continente africano e os caciques dos povos indígenas mantém viva sua tradição ofertando pela palavra aos que vieram depois as histórias daqueles que chegaram primeiro. Tudo o que se pode dizer sobre uma nação e suas raízes está na palavra.

Os guardiões da palavra são os cidadãos daquele povo e seus livros. A palavra escrita mantém a memória viva, mesmo quando os mais velhos não estiverem mais aqui para contar.

Nova pátria, nova língua

Segundo levantamento do Ministério das Relações Exteriores divulgado em 2021, há 4,2 milhões de brasileiros vivendo em outros países. O número teve aumento expressivo nos últimos anos e alguns motivos como a desesperança e as crises econômicas estão entre as razões para a imigração. A principal concentração das comunidades brasileiras no exterior está nos Estados Unidos, Portugal, Paraguai, Reino Unido e Japão.

E quando a família migra para um país em que a língua falada não é a mesma do país de origem, como preservar essa herança que vem da língua materna?

Esse é um dos grandes desafios encontrados pelas famílias expatriadas, em especial as que tem crianças. A língua materna, em geral, é mantida em casa. Na escola e nos outros ambientes as crianças se deparam com outros idiomas.

Wiana Kell, que vive nos Emirados Árabes há 19 anos e tem duas filhas, Carla, 10 anos e Pietra, 15 anos, conta que manter a prática do português diariamente é um dos maiores desafios. “Se não falamos com eles no ambiente familiar onde eles irão escutar e falar a nossa língua? Quanto mais as crianças crescem mais essa conexão diminui, por estarem inseridas num ambiente estrangeiro, passam a ter mais identidade com a língua do local”.

Na primeira infância, o contato e a preservação da língua materna são mais fluidos já que a grande maioria das interações do bebê e crianças pequenas acontece em casa com os pais e irmãos. “A maior dificuldade foi quando começaram a frequentar a escola e passaram a falar francês entre elas”, conta Ana Paula Etienne, mãe da Julia, 7 anos, Gustave, 5 anos e Caroline, 2 anos, vivendo na Suíça há 13 anos.

As configurações familiares podem contribuir ou dificultar a preservação da língua de herança. Cada família possui uma configuração familiar diferente, em que por vezes, um dos pais não domina a língua materna.“Infelizmente pode haver resistência para aprender o português entre membros da família. A falta de informação adequada sobre a educação bilíngue entre médicos e educadores também é um fator que cria insegurança na criação de filhos bilíngues”, destacam Andrea Andréa Menescal Heath e Vivian Kropp, da Rede Mala de Herança, que vivem na Alemanha.

Literatura infantil como ponte para a língua de herança

Desde 2021 A Taba envia livros para outros países e contribui para que as famílias expatriadas mantenham viva a língua materna. Esse era um grande desejo nosso e de muitas famílias que emigraram e que conseguimos concretizar com a parceria de mulheres que se dedicam a manter viva a nossa tradição nos países que vivem atualmente, como Andrea, Vivian, Ana Paula e Wiana.

Iniciativas como a Rede Mala de Herança levam os livros selecionados pelo time de curadoras da Taba para países da Europa e para os Emirados Árabes. Já foram enviados mais de 500 livros selecionados pela curadoria da A Taba. As famílias recebem nossos kits mensalmente e tem a oportunidade de vivenciar boas conversas com os pequenos e — para eles — o principal: na língua materna.

Mas, como a literatura contribui para manter viva a língua de herança?

A literatura é uma aliada indispensável nesta missão. Por um lado, ela enriquece o repertório linguístico e estimula a criatividade. “Tanto a criança quanto os pais, que muitas vezes vivem há anos no exterior, se beneficiam desse momento literário. A literatura proporciona contextos que as famílias não vivenciam no dia a dia e amplia o leque de palavras, expressões e vivências culturais através da leitura”, explicam Andrea e Vivian.

“Através da leitura em português a criança ou jovem passa a ter um momento de conexão não só com a língua, mas também com a cultura brasileira. Constrói assim, a sua identidade. Sem contar que essa prática feita com frequência é também um momento de aconchego familiar que vai gerar muitas lembranças gostosas”, pontua Wiana, sobre a sua experiência com os livros infanto juvenis em língua portuguesa nos Emirados Árabes.

“A literatura tem sido minha maior aliada na batalha quase desleal de ‘competir’ com a língua dominante. É no momento da leitura que as portas se abrem, que os horizontes se ampliam, que eles aprimoram seu vocabulário, aprendem novas formas verbais e principalmente mergulham mais a fundo na nossa cultura através de expressões, lendas, tipos de narrativa. Eles se apaixonaram pela literatura de cordel depois de receberem da Taba o belíssimo livro Sete Cordéis para Sete Cantigas, do Cris Gouveia”, nos conta Ana Paula sobre as vivências literárias com seus filhos.

Entre os benefícios que a literatura pode promover estão:

  • A literatura motiva a criança em idade escolar a começar a ler também na língua minoritária;
  • A leitura compartilhada fortalece a saúde emocional da família como um todo;
  • Proporciona momentos conjuntos de conforto e aconchego, assim como de conexão dos pais às suas raízes e vivências;
  • Mantém aceso o desejo de cultivar a(s) língua(s) de herança no seu contexto familiar;

Os livros em língua portuguesa preferidos!

Em Genebra, na Suíca, os preferidos do momento são:

Julia, 7 anos: O Carteiro chegou e gibis da turma da Mônica

Gustave, 5 anos: Minha casa, sua casa, recebido pela A Taba em janeiro

Caroline, 2 anos: ama O resgate da Biloca, escrito pela Ana Paula, que é escritora e professora substituta na Associação Raízes, escola de Português como Língua de Herança (POHL) de Genebra, Lausanne e arredores.

Em Lausanne, na Suíça, os preferidos do momento são:

“A Menina da cabeça quadrada , da Emilia Nunez é um dos preferidos do meu filho porque ele adora esse lado mais imaginativo e bem humorado de imaginar pessoas com cabeça quadrada.  A casa sonolenta, de Audrey Wood é um dos preferidos da minha filha Tainá por causa da repetição presente no texto e das ilustrações. Ela adora procurar os personagens na imagem final do livro. Tenho preferência pelos livros do André Neves, entre eles o Guardador de chuvas e Obrigado me tocaram muito!”, conta Bianca Zanini, coordenadora de projetos de promoção da leitura no Institut suisse Jeunesse et Médias – ISJM, em Lausanne na Suíça e mãe do Breno, 7 anos, e da Tainá, 4 anos.

língua materna

Em Dubai, nos Emirados Árabes, o preferido do momento:

“Um livro que fez sucesso recentemente por aqui foi o Drufs, da Eva Funari. Super divertido  e mostra as diferentes famílias de uma forma bem lúdica. A ideia da autora de usar os dedos como personagens foi fantástica! Sem contar com a brincadeira que ela fez com as palavras”, conta Wiana Kell, autora de livros infantis e colaboradora do Diário de Uma Expatriada

língua materna; língua de herança

Na Alemanha, no Vale do Ruhr, os preferidos do momento:

“O Nicolas ama a coleção “O Diário de Pilar“! Já lemos o Diário de Pilar na Grécia, no Egito e estamos terminando de ler na Amazônia. A Larissa gosta da coleção “Brasileirinhos” do Lalau e da Laurabeatriz, que é uma coletânea de livros de poesias para os bichos mais especiais da nossa fauna”, conta Vivian Sekkel Kropp, coordenadora da Mala de Herança Vale do Ruhr, na Alemanha. 

língua materna; língua de herança

Na Alemanha, em Munique, um dos preferidos:

Queria ser alta como um tuiuiú, de Florence Breton (francesa que mora no Brasil há um tempo). É uma história linda com capivaras e vários outros bichos do pantanal e fala sobre gostar de ser quem voce é e não de ser como os outros”, conta Andréa Menescal Heath, idealizadora da Rede Mala de Herança e mãe do Bernardo, 27 anos, do Frederick, 15 anos e da Lydia, 14 anos.

Nas fotos, um encontro do Malinha de Herança, com leitura de livros enviados pela A Taba aos assinantes da Alemanha.