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Por que ainda lemos contos de fadas?

Por que ainda lemos contos de fadas?

Diante de tantos novos títulos de literatura infantil e temas urgentes a tratar dentro de um currículo escolar, vale ler contos de fadas? 


Diante de tantas novas editoras, novos títulos de literatura infantil, e tantos temas urgentes a tratar dentro da organização de um currículo, por que ainda lemos contos de fadas? Seriam estes títulos algo relegado a um passado que precisamos deixar para trás? Qual sentido em ainda ler Chapeuzinho Vermelho, João e Maria, Rapunzel ou Os sete corvos? 

O primeiro sentido está ancorado no papel central da escola em oferecer um currículo literário que considere não só as novidades e o contemporâneo, mas também a importância de trabalhar com a leitura de clássicos, estes livros que, como o autor italiano Ítalo Calvino afirma, nunca terminaram de dizer aquilo que tinham a dizer. Os contos de fadas fazem parte deste repertório de leituras de clássicos, importantes por trazer para a escrita aquilo que circulava nas tradições orais, e por terem influenciado tantas novas histórias produzidas depois deles.

O segundo sentido está em desmistificar ideias por vezes reproduzidas sem um olhar mais atento. Os contos de fadas falam sempre de uma mulher querendo ser salva por um homem, visão bastante distante da formação que buscamos nos leitores de hoje. Sim, é verdade que alguns contos falam dessa estrutura, como é o caso do conto “A Bela adormecida” – talvez a única princesa que efetivamente fica passivamente esperando a salvação -, mas tantos outros trazem personagens femininas que precisam salvar irmãos, amigos, príncipes e reis de seus infortúnios. Os sete corvos, por exemplo, fala da jornada de uma irmã disposta a tudo para salvar seus irmãos, e mesmo “A Bela e a Fera”, conto bastante conhecido, coloca uma camponesa como grande salvadora de um príncipe outrora muito egoísta.

E falando de “A Bela e a Fera”, um dos poucos contos escritos por mulheres que ganhou notoriedade, chegamos a um terceiro sentido: devemos ler os contos de fadas para resgatar os contos esquecidos, que ficaram atrás das estantes, guardados em antigos baús da memória. O trabalho de pesquisadores como Paulo César Filho, do canal Teoria das fadas, e Susana Ventura, autora de livros selecionados e presente em eventos da A Taba, tem possibilitado um acesso muito interessante a contos de fadas escritos por mulheres e que, em edições cuidadosamente trabalhadas para compartilhar essa rica produção, têm permitido ampliar as possibilidades leitoras deste gênero.

Recentemente vivenciamos, no espaço ekoa, escola de Educação Infantil e Ensino Fundamental em São Paulo, a leitura compartilhada da obra Sete contos que nunca me contaram, escrito por Susana Ventura, com crianças de 8 e 9 anos, e percebemos quantas camadas de sentido as crianças puderam estabelecer com estes contos de fadas. Ao pensar nas protagonistas das narrativas, elas analisaram quais desafios deveriam superar, quais oponentes encontravam em seu caminho, e qual semelhança identificavam com outros personagens conhecidos.

No bate-papo posterior à leitura com a autora, toda esta reflexão foi enriquecida ao conhecerem o processo de curadoria, tradução, edição e organização do livro por parte de Susana Ventura, conhecendo as dificuldades que as escritoras dos contos de fadas viveram para terem suas histórias publicadas.

Assim, que importante lugar, o da leitura literária, para, resgatando o clássico, trazer a novidade e abrir portas para sempre buscarmos novos sentidos naquela história que parece já ter dito tudo, mas ainda tem muito a dizer.